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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cotas raciais é a solução?

Em 1866 o congresso norte-americano passou uma lei, conhecida como The Civil Rights of 1866, com a intenção de proteger os direitos civis dos afro-americanos. Isso foi logo após a guerra civil e com a presença das tropas federais intervindo nos estados foi possível que essa lei fosse cumprida, mesmo contrariada. Contudo, as tropas não podiam permanecer nos estados para sempre e a Suprema Corte em 1883 decide que o governo não pode impedir que indivíduos adotem medidas racistas em estabelecimentos particulares. Como resultado por todo os Estados Unidos práticas de segregação racial foram implantadas: escolas distintas para negros e brancos, lugares separados nos transportes e em teatros, negros e brancos não podiam se casar e, em alguns estados, nem dormirem no mesmo quarto. Tudo isso era entendido como constitucional, apesar que a constituição dizia que todos eram iguais perante a lei e a 14º emenda abrangia esse direito aos negros, eles eram "iguais na diferença".

Nada semelhante aconteceu aqui no Brasil, mas é inquestionável que após a abolição da escravidão os afro-descendentes foram marginalizados, com isso quero dizer deixados à margem da sociedade, pelas autoridades. A sua mão de obra foi substituída pelas dos imigrantes europeus numa política que intentava o "clareamento" da população brasileira. Isso os levou a formarem comunidades próprias e hoje colhemos os frutos dessas políticas em alto índice de criminalidade, mas isso é assunto para outro post. Agora, ainda hoje é difícil para os descendentes dessas pessoas historicamente marginalizadas terem acesso a direitos básicos como saúde, educação e entretenimento. Leis que permitem melhorar o acesso dessas pessoas são entendidas pelo Supremo Tribunal Federal como perfeitamente constitucionais, dado o papel da constituição de proteger aqueles que são, historicamente, desfavorecidos. 

Dada essa realidade social desigual parece ser necessárias medidas que viabilizem o acesso dessas pessoas, historicamente excluídas, ao sistema de educação. E a própria constituição de 1988, como é o entendimento dos ministros do STF, parece exigir tomar medidas nesse sentido, pois define como objetivo a erradicão da pobreza e da marginalização. Nesse sentido a Carta Magna muda a posição anterior de igualdade simplesmente formal para uma posição ativa, já não é suficiente definir uma nação em que todos são iguais, é preciso tomar medidas para construir uma sociedade assim.

Nesse sentido são propostas as leis de cotas, tanto raciais quanto para alunos oriundos de escolas públicas, para acesso a universidades públicas federais. Recentemente o senado aprovou o destino de 50% das vagas para alunos que estudaram em escolas públicas ou que se declarem afro-descendentes. Chamo atenção aqui para o antigo entendimento dado pela Suprema Corte americana para justificar as medidas de segregação racial que eu citei no primeiro parágrafo, "eles são iguais na diferença". Agora os afro-descendentes não são tratados diferentes com a antiga ideia de discriminação, mas com uma nova pseudoideia de igualdade, os tratamos diferentes para torná-los iguais. Por que o tratamento diferenciado, com intenções de igualdade, é mais aceitável que o tratamento diferenciado com intenções de segregação? É ainda um tratamento diferenciado com uma fachada de igualdade. E em que racíocinio lógico mais distorcido tratamento diferenciado gera igualdade?

É preciso notar que a constituição e leis tornam legais outros tratamentos diferenciados, como reservas de vagas para deficientes físicos em concursos públicos e quotas para mulheres em eleições. Então a ideia de proteger os historicamente discriminados é bem centrada na nossa legislação. 

Eu seria negligente se não mencionasse a atual situação das universidade públicas, com seus professores em greve durante meses. Medidas de aumento de vagas não vieram acompanhadas de aumento salarial dos professores, aumento ce verbas para as universidades, nem em aumento no número de professores. As universidades estão lotadas e sobrecarregadas. E o ensino público fundamental e médio não está muito diferente, ano passado mesmo professores da rede estadual de Minas Gerais ficaram meses em greve sem o governo tomar medidas para melhoria do ensino. É muito bom querer que os menos favorecidos ingressem no ensino superior, mas não está sendo feito de maneira errada, não? O Ministro Marco Aurélio do STF, ao julgar constitucional das cotas, disse que tais medidas afirmativas são constitucionais em caráter temporário e, assim que a marginalização chegasse ao fim, elas devem ser abandonadas. Bem senhor ministro, com essas medidas de base, incoerentes com a erradicação da pobreza e marginalização, essas medidas paliativas e populistas nunca serão abandonadas, porque pessoas oriundas de escolas públicas nunca estarão em iguais condições das de escolas particulares enquanto o ensino público de base não for tratado com seriedade. 

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