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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Brasil, uma saga em verde e amarelo - Tomo 1: Vera Cruz, Ilha de Vera Cruz, Terra de Vera Cruz ou Terra dos Papagaios? Terra de Santa Cruz disse o Rei

Finalmente fazia um tempo bom naquela segunda-feira, 9 de março de 1500, quando uma multidão reuniu-se na freguesia de Santa Maria de Belém para assistir a partida da maior frota de navios que já tinha cruzado o Atlântico até então. Eram quatorze embarcações no total: dez naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Muitos nomes daquelas embarcações perderam-se durante os séculos, os únicos que chegaram até nós foram a El Rei, capitaneada por Sancho de Tovar; a Anunciada, comandada por Nuno Leitão da Cunha; e também a caravela capitaneada por Pedro de Ataíde, a São Pedro. Toda a armada tinha por capitão-mor o fidalgo Pedro Álvares Cabral.

Cabral nascera no seio de uma tradicional família da nobreza portuguesa, conhecida por prestar serviços à Coroa já por gerações. Seu pai era Fernão Cabral e sua mãe Isabel de Gouveia. A história de sua infância e juventude é pouco conhecida e antes de 1500 não havia nenhum registro de grandes feitos seus. Sabe-se que quando tinha por volta de doze anos ele foi enviado à corte de D. Afonso V onde educou-se em humanidades e foi treinado para lutar e pegar em armas. Quando tinha dezessete anos foi nomeado moço fidalgo por D. João II. Provavelmente depois disso tenha participado de alguma expedição pelo norte da África, como era comum aos jovens nobres da época. No reinado de D. Manuel I foi nomeado fidalgo da corte e armado Cavaleiro da Ordem de Cristo. Fora isso não se tem notícia de nenhuma experiência em navegação que justifique sua escolha para comandar capitães notadamente experientes, como Bartolomeu Dias e Nicolau Coelho. É quase certo que sua posição na corte e o nome da sua família tenha-o ajudado a conseguir aquele posto de comando e também não era de todo incomum que nobres sem experiência fossem escolhidos para postos como este. O nome da embarcação do Capitão-mor foi perdido, mas existe a especulação de que tenha sido a lendária São Gabriel com a qual Vasco da Gama abriu caminho pela costa da África até a Índia, mas não existe nenhuma confirmação para essa hipótese.

Pedro Álvares Cabral aos 32 ou 33 anos em pintura artística do século XIX.
Não se tem uma descrição das feições de Cabral .
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pedro_Alvares_Cabral.jpg

A noite do domingo tinha sido de festa. "E muitos batéis rodeavam as naus e ferviam todos com suas librés de cores diversas, que não parecia mar, mas um campo de flores e o que mais elevava o espírito eram as trombetas, atabaques, tambores e gaitas", registrou o cronista João Barros, testemunha ocular do dia. Oito meses antes chegava àquele mesmo porto a diminuta frota de Vasco da Gama com notícias que há séculos inundava o imaginário português: um novo caminho pelo Atlântico até a Índia. D. Manuel I agora preparava todo aquele espetáculo para que todos os espiões espanhóis, franceses, italianos e ingleses vissem o poderio de Portugal e espalhassem aqueles feitos por todo o continente europeu.


Desenho de caravelas portuguesas.
Fonte: http://destoarepreciso.blogspot.com.br/2010/04/degredo-do-ser.html

Antes de partirem para aquela histórica aventura sua majestade mandou celebrar uma missa no Mosteiro de Belém que foi celebrada pelo bispo de Ceuta, D. Diogo de Ortiz, um dos homens a negar apoio ao navegador Cristóvão Colombo dez anos antes. Ele abençoou uma bandeira com os símbolos de armas de Portugal e entregou-a nas mãos de Cabral. Depois da celebração o Capitão-mor ouviu os conselhos de Vasco da Gama para a grande viagem. Era essencial o sincronismo entre as embarcações para que não se perdessem. Aconselhou ao Capitão para que disparasse os canhões duas vezes e esperasse pela mesma resposta dos demais navios, dentre outros conselhos. Com tudo acertado partiram rumo ao já não tão desconhecido oceano, mas ainda cheio de perigos reais e imaginados pelas pessoas.

A missão da armada era chegar à Índia, pelo caminho descoberto há pouco tempo por Vasco da Gama, e lá fundar uma feitoria. Não se sabe se os portugueses tinham conhecimento da existência das terras brasileiras ou se chegaram aqui por puro acidente. Dois anos antes, ao se afastar da costa africana para melhor aproveitar as correntes marítimas, Gama passou tão perto do Brasil que pode mesmo ter percebido sua existência; Cabral desviaria tanto da rota que, segundo seus cálculos, julgava estar onde hoje é Brasília. A escola naval de Sagres já estava bem avançada nos estudos geográficos da época, os cosmógrafos portugueses tinham organizado os mapas mais exatos daquele tempo, estavam em sincronia com as novas ideias dos genoveses, venezianos e catalões acerca do mundo e a tudo isso soma-se que já havia oito anos que Colombo chegara ao Novo Mundo e seis anos antes Portugal garantira posse em parte das terras ainda por descobrir na América com a assinatura do Tratado de Tordesilhas. Portanto, eles podiam não ter certeza da existência das terras brasileiras, mas sem dúvida sabiam que a possibilidade era muito alta.

Fazia parte também da expedição Pero Vaz de Caminha, um escritor português que assumiu a função de escrivão na frota de Cabral. Poucas nações no mundo podem se orgulhar de terem uma certidão de nascimento tão poeticamente bem escrita, com data e hora do descobrimento. A Carta de Caminha foi uma das correspondências enviadas ao rei de Portugal informando sobre a descoberta das terras brasileiras. Curiosamente o agora famoso documento ficou arquivado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, por quase três séculos, só sendo descoberto por Juan Batista Muñoz em 1793 e publicada pela primeira vez em 1817 por Manuel Aires de Casal.

"Esse olhar inicial de que a Carta de Caminha é o núcleo irradiador fundamenta uma imagem, que se constituiu na teoria da cordialidade consubstanciando uma ideologia que explica a gênese da identidade brasileira. A Carta de Pero Vaz de Caminha vem exercendo no imaginário cultural do Brasil, nos últimos duzentos anos, um benéfico sentimento de amor à Pátria, que parece não ter sido afetado pelo seu anterior desconhecimento, por cerca de três séculos."

A Carta é com certeza o documento mais importante da época do descobrimento. Descreve detalhes da navegação e do primeiro contato dos portugueses com os nativos brasileiros. "Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas." Caminha descreve um primeiro contato bastante amigável entre as duas civilizações tão diferentes entre si. Uma amizade que não se manteria pelos anos e séculos seguintes. Fez em sua carta a descrição de um verdadeiro Éden perdido, um paraíso que a chegada deles perturbaria drasticamente. Já na sua narrativa ao rei D. Manuel Caminha lança a ideia do que viria a ser o principal objetivo da colonização em relação aos indígenas, a sua conversão ao cristianismo. 

"o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar essa gente. E essa deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar."

A empreitada das navegações pelo Atlântico eram um tipo diferente de cruzadas, agora não por terra, nas costas de cavalos, com o objetivo de libertar a terra santa dos muçulmanos, como acontecera quatro séculos antes. Agora viajavam em caravelas, pelo oceano nunca antes navegado, em busca de terras novas e desconhecidas. Mas o objetivo latente ainda era o mesmo: conquistar riquezas e propagar a fé cristã. As terras brasileiras receberam seu batismo cristão com a primeira missa celebrada no domingo, 26 de abril, pelo Frei Henrique de Coimbra, logo antes da frota seguir viagem rumo à Índia. Os indígenas acompanharam a celebração, mais pela curiosidade do evento, mas aos olhos portugueses pareceu um sinal de que seria fácil catequizá-los no cristianismo.

A primeira missa e a primeira cruz.
Quadro do século XIX retratando a primeira missa celebrada
em terras brasileiras.
Fonte: http://www.lepanto.com.br/Imagens/1missaw.jpg

Foi na tarde do dia vinte e quatro de abril de 1500, quarta-feira, que os bravos aventureiros avistaram terra. Primeiro viram um grande monte, alto e redondo, a que deram o nome de Monte Pascoal, devido à proximidade do dia da páscoa. Depois avistaram terra coberta por grandes arvoredos. À terra os três relatantes do evento que temos conhecimento deram nomes diferentes. Caminha chama-a de Ilha de Vera Cruz; mestre João Faras chama-a simplesmente por Vera Cruz; Pedro Álvares Cabral a chama de Terra de Vera Cruz e o Piloto Anônimo chama-a de Terra dos Papagaios. O rei D. Manuel não se agradou por nenhum desses nomes e batizou-a Terra de Santa Cruz.

Quadro de Oscar Pereira retratando a chegada dos portugueses ao Brasil.
Fonte: http://international.loc.gov/intldl/brhtml/br-1/br-1-2.html

Os portugueses trocaram presentes com os indígenas. "E começaram a tratar com os da armada, e davam dos seus arcos e flechas em troca de guisos, e folhas de papel e peças de pano.", narração do Piloto Anônimo mostrando as trocas realizadas entre os navegantes e indígenas. Este foi o primeiro contato dos europeus com as terras que se tornariam o lar da nação brasileira. Um encantamento com as belezas naturais, com a inocência dos habitantes nativos e um reconhecimento desde à primeira vista de todas as possibilidades que esta terra possui. No entanto, nem todos viram imediatamente sua verdadeira importância. O rei limitou-se a notificar às demais nações a tomada de posse das terras e a enviar uma expedição no ano seguinte. O comércio com a Índia estava no topo das prioridades da coroa portuguesa no momento e o Brasil não oferecia à primeira vista o que os portugueses mais procuravam, ouro. Então, pelos próximos trinta anos a colonização das terras brasileiras não seria prioridade para Portugal, o que levantará o interesse das demais potências europeias sobre o Brasil.

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Referências:

[4] BUENO, Eduardo. Brasil: uma História. A incrível saga de um país. Editora Ática.
[5] PEREIRA, Paulo Roberto. Carta de Caminha: A Notícia do Achamento do Brasil. Editora Expressão e Cultura.

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