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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Brasil, uma saga em verde e amarelo - Tomo 2: Mundus Novus

Um ano se passa da histórica viagem de Cabral. Estamos agora em 2 de junho de 1501 e Pedro Álvares Cabral está retornando de uma sangrenta aventura na Índia, durante a qual teve que bombardear Calicute em represália a um ataque aos mercadores portugueses que tinham acabado de se instalar na cidade. Dois navios da frota - velas rotas, madeirame desgastado - chegaram ao porto de Bezeguiche (hoje Dacar) na costa ocidental da África e ali encontraram com três navios da expedição de Gonçalo Coelho, que partira de Lisboa havia duas semanas para explorar a terra descoberta há um ano. A bordo de um dos navios da frota de Coelho estava o florentino Américo Vespúcio, um dos personagens mais controversos da história dos descobrimentos - e que acabaria se tornando padrinho daquele Novo Mundo.



"Nos últimos dias eu tenho escrito muito plenamente a você sobre o meu retorno do mundo novo, o qual foi encontrado e explorado com os navios, ao custo e pelo comando do Sereníssimo Rei de Portugal; e é lícito chamá-lo de mundo novo, porque nenhum desses lugares eram conhecidos pelos nossos ancestrais e todos que ouvirem sobre ele serão totalmente novos. A opinião dos antigos era de que grande parte do mundo para sul da linha equinocial não era terra, mas apenas o mar, o qual eles chamaram de Atlântico; e mesmo se eles tiverem afirmado que havia terra lá, eles deram muitos motivos para negar que era habitada. Mas essa opinião é falsa, e inteiramente oposta da verdade. Minha última viagem o provou, porque eu encontrei um continente naquela parte no sul cheio de animais e mais populoso que a Europa, ou Ásia, ou África, e ainda mais temperado e agradável que qualquer outra região conhecida." Américo Vespúcio, Mundus Novus, primavera de 1503.[1]

Uma das ilustrações do livro Mundus Novus de Vespúcio
Fonte: http://littlelordnyc.tumblr.com/post/32612390522/mundus-novus-spectaculus-for-you-for-you-for-you


Américo Vespúcio provavelmente já tinha cruzado o Atlântico antes junto com Alonso de Hojeda, em 1499, e mais tarde ele próprio admitiu que também participou de uma viagem ao Caribe em 1497, com o capitão Juan Diaz de Solis. Essa jamais confirmada viagem fez Vespúcio adquirir a fama de mentiroso e charlatão. Originário da cidade de Florença, nasceu em um berço de ouro em 1454, numa família bem-relacionada com os poderosos Médici. Vespúcio pertencia à raça dos Marco-Polo: os viajantes-divulgadores, hábeis novelistas, que alimentavam com os seus relatos, algo fabuloso, a fome de civilizações exóticas que devorava a Europa pós-cruzadas. Seu nome batizou o novo continente e ele mesmo ajudou a nomear vários acidentes geográficos da costa do Brasil, desde o cabo São Roque até São Vicente, baseando-se no calendário cristão. Em 28 de agosto de 1501 encontraram o cabo de Santo de Agostinho, em 4 de outubro a foz do rio de São Francisco, em 1º de novembro a baía de Todos os Santos, em 1º de janeiro de 1502 o falso rio de Janeiro, em 6 de janeiro a angra dos Reis, São Sebastião no dia 20 e São Vicente dia 22.

Fonte: http://enroquedeciencia.blogspot.com.br/2012/11/calle-americo-vespucio-i.html

Além desse trabalho de nomeação Vespúcio escreveu uma carta chamada Mundus Novus com uma detalhada descrição da viagem que fez ao Brasil. Ela virou um dos maiores best-sellers de sua época; teve mais de quarenta edições e foi traduzida para seis línguas e o deixou famoso nos círculos cultos da Europa. Em 1507 Martin Waldssemüller decidiu, segundo suas próprias palavras, batizar a quarta parte do mundo com o nome de seu descobridor, Américo. Em 1513, pressionado por espanhóis, o alemão retirou a proposta, mas já era tarde demais. A descrição deixada por Américo da terra, dos animais, das plantas e dos índios do Brasil caiu tanto no gosto do público que, apesar dos méritos de Colombo, o Novo Mundo passou a ser definitivamente chamado de América.

Martin Waldssemüller, Universalis Cosmographia, 1507.
Primeiro mapa a incluir o nome América.
Só existe uma cópia do mapa, que foi comprada por $10 milhões pela biblioteca do congresso americano.
Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rico_Vespucio


No entanto Vespúcio não compartilhou do otimismo de Pero Vaz de Caminha: as terras brasileiras pareceram-lhe desprovidas de metais preciosos e sem riquezas além do pau-brasil. Como estavam enganados! Mas a colonização, ou não colonização de Portugal, nos primeiros trinta anos basearia-se nessa ideia de que não existiam riquezas por aqui. 

A Índia sim tinha segredos e tesouros a oferecer aos sedentos exploradores ocidentais. Aquela pobre terra verde, povoada por uma gente estranha que devorava o próprio semelhante, como acontecera com dois marujos no cabo de São Roque, não tinha nada para atrair os navegadores. E não atraiu. A 10 de maio de 1503 Américo retorna às terras brasileiras, agora já no comando de uma nau, a fim de apurar o lucro da colônia. Dois, dos seis navios, que partiram de Portugal abarrotaram-se de pau-brasil em Cabo Frio, onde deixaram uma feitoria com vinte e quatro homens. Fizeram também um reconhecimento do interior do Brasil, até quarenta léguas dentro das florestas e montanhas. Aspereza, selvageria, paisagem - nada mais viu, então supriu com detalhes de uma fauna fantástica, que imaginou, devido à escassez de notícias sedutoras. O Brasil era uma promessa, a Índia era uma realidade.

Somente a possibilidade de perder sua posse com o surgimento de outras potências marítimas faria Portugal voltar sua atenção para o Brasil. Na segunda metade do século XVI os franceses começaram a explorar o pau-brasil em grande escala na costa brasileira. Para guarnecer a sua colônia foram enviadas grandes expedições, todas chefiadas pelo inclemente Cristóvão Jaques (1516, 1521 e 1527). Na primeira missão esse comandante provocou um enorme incidente diplomático por ter enterrado vivos vinte traficantes franceses. Essas expedições, no entanto, não foram suficientes para expulsar todas as ameaças estrangeiras, mas serviu para terminar o processo de mapeação e reconhecimento do litoral brasileiro.

Este parece ser um estigma que persegue o Brasil. Sempre a terra da promessa, a terra do futuro, quase nunca a terra do momento, do presente, do agora. O Brasil será um país assim enquanto nos focarmos em soluções momentâneas ao invés de traçarmos um plano de construir uma grande nação que permaneça no topo durante séculos.

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Referências:

[1] http://en.wikipedia.org/wiki/New_World
[2] BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. A incrível saga de um país. Editora Ática, São Paulo, 2003.
[3] CALMON, Pedro. História da civilização brasileira. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.

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