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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O nazismo tupiniquim

Partidos da ideologia nazista, que surgiu na Alemanha durante a década de 1920, espalharam-se por oitenta e três países e estavam sob o comando da Organização do Partido Nazista no Exterior, com sede em Berlim. No Brasil a célula teve o maior número de adeptos de todos os outros, 2900 integrantes, e eram organizados no mesmo modelo do III Reich. Mas claro que aqui ele assumiu características específicas da realidade brasileira e sua atuação encaixava-se no governo ditatorial de Getúlio Vargas e a complexa relação do Brasil com a Alemanha durante esse período. Vamos ver como foi esse período que recentes descobertas históricas trazem à tona.


"Arbeit macht Frei."
(O trabalho torna-o livre.)

Costuma-se dividir a Era Vargas em dois períodos: 1930 a 1937 e 1937 a 1945, também chamado de Estado Novo. Durante o primeiro período, o governo Vargas teria negligenciado as atividades do partido. O Brasil tinha, nessa época, uma relação amigável com a Alemanha de Hitler, principalmente devido aos interesses comerciais de ambos os países. Mas também haviam interesses no plano político, como o treinamento de policiais brasileiros pela GESTAPO, e no plano ideológico o governo de Vargas também era contrário aos comunistas. Esses fatores aproximaram os governos brasileiro e alemão e fez-se possível ao Partido Nazista funcionar de 1928 a 1938 no território brasileiro.

Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/536/tese-da-area-da-educacao-revela-praticas-de-inspiracao-nazista-no-pais-antes-da-2a-guerra


O primeiro grupo de tendência nazista no Brasil surgiu em Benedito Timbó, em Santa Catarina. Ele não foi somente o primeiro do pais, como também o primeiro do mundo fora da Alemanha. Seus partidários eram na maioria imigrantes que chegaram no Brasil nos processos imigratórios do século XIX. Mais alemães chegavam ao nosso país depois do fim da primeira guerra, principalmente devido à crise que assolou a Alemanha. 

Depois de 1930, o partido espalhou-se por outros países, como Argentina, Chile e Paraguai, e eles começaram a elevarem e conciliarem sua luta contra os judeus e pela proteção do povo alemão no exterior. Suas atividades iam desde promover noites de encontro da comunidade até organizar festas em datas comemorativas do calendário nazista. Ocorreram comemorações do 1º de maio alemão em grandes estádios de futebol nas principais cidades do Brasil, com desfiles da bandeira suástica e discursos de seus partidários. Enquanto isso ocorria, o Tribunal de Segurança Nacional julgava comunistas acusados de participarem da "Intentona de 1935".

Aos poucos, o partido nazista no Brasil foi se desenvolvendo e, em 1931, tornou-se oficial. Até 1933 a sede do partido ficava no Rio de Janeiro e estava no comando o partidário Herbert Guss. No entanto, ele não ficou muito tempo no comando e em abril de 1933 um telegrama o tirou do comando alegando apenas "desonrosa conduta". Em 1934, a sede do partido foi transferida para São Paulo e Hans Henning von Cossel foi nomeado o chefe do grupo nacional do partido no Brasil. Um das figuras mais emblemáticas, ficou no partido até sua dissolução. Cossel era o que consideramos um Führer tupiniquim.

Cossel foi chefe do partido nazista no Brasil de 1934 a 1942, adido cultural, Vertrauersmann (homem de confiança do partido em território nacional) e correspondente do governo alemão. Os próprios embaixadores pareciam estar submetidos a ele. Foram três durante o período, Knipping, Ritter e Prüfer. Interessante notar que os embaixadores mudavam e Cossel permanecia no poder.

Era bem próximo tanto de Getúlio quanto de Hitler, sendo recebido pelo Führer alemão quando foi ao país. Vargas chegou a dar-lhe como presente um retrato de si mesmo com uma bela moldura. Fez diversas viagens pelo interior do Brasil também. elaborando minuciosos relatórios geográficos, culturais e políticos. Espalhava a ideologia nazista em suas viagens também.

Cossel era um solucionador de conflitos, principalmente na região Sul, e admirado pelos membros da colônia alemã. Foi muitas vezes elogiado pelos líderes da Organização do Partido Nazista no Exterior e o sucesso do partido no Brasil está relacionado ao seu trabalho.

Pelo decreto-lei nº. 383, de 18 de abril de 1938, o presidente Vargas passou para ilegalidade todas as agremiações políticas estrangeiras e isto incluía o partido nazista. Isso iria afetar decisivamente o "relacionamento especial" que até então existia entre o Brasil e a Alemanha nazista, culminando com a completa ruptura em 1942. O embaixador alemão no país, na época Ritter, foi recebido pessoalmente por Getúlio, bem como mais tarde pelo Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha, ele insistiu no que essa medida implicaria e que todos os países que impediram o partido nazista haviam se tornado inimigos da Alemanha. Vargas explicou que não teve escolha, não poderia fazer exceções e a política nacionalista do novo estilo de governo adotado não combinava com a liberdade às ideologias externas. Além disso, a impressa brasileira fazia constante propaganda contra a Alemanha e Vargas temia um conflito caso fizesse o partido nazista uma exceção. Em um verdadeiro estilo do "jeitinho brasileiro" Getúlio ofereceu sacas de café para apaziguar a situação. O embaixador respondeu que o café brasileiro era tão barato que as sacas seriam jogadas na água, se não fossem doadas, mas por fim aceitou.


"Eu deixei claro para ele (Getúlio Vargas), o que significa o
partido nazista na Alemanha e para a Alemanha. Acrescentei
que os integrantes do partido no Brasil são somente cidadãos
alemães e têm a rigorosa instrução da alta cúpula de se abster
de se interferir nos assuntos internos brasileiros." Ritter.


Com essa proibição oficial, enquanto o Brasil mantinha-se neutro na Segunda Guerra Mundial, o partido nazista agiu na ilegalidade ainda com a liderança de Cossel que não foi preso e permaneceu no país. Durante esse período muitos brasileiros reagiram contra os alemães, conhecidos como os "quintas-colunas". A partir de 1942, com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha, vários alemães foram presos, identificados ou internados. Houve protestos contra as prisões e maus-tratos aos alemães, o racismo tropical. Ocorreram reclamações de alemães que foram presos junto com mulatos e negros. Isso foi considerado uma "ofensa à raça ariana". Diante de protestos os presos foram soltos, mas estimulados a abandonarem o país e mantidos sobre vigilância da polícia.

Essa foi, por alto, a aventura nazista no Brasil. Vamos ver agora as peculiaridades que marcaram essa experiência, uma "tropicalização do nazismo". O conceito de tropical é um mito fundador da nossa nação, sempre, desde o seu descobrimento, associado a esse paraíso natural, um Éden perdido. Essa idéia desde cedo atraiu imigrantes para o Brasil, entre eles alemães que se instalaram principalmente na região sul do território. Muitos deles aderariam à ideologia do nazismo. Mas a diversidade racial da sociedade brasileira logo arruinaria essa visão de paraíso e construiria um "inferno" racial no seu lugar. 

Lógico que, para sobreviver por 10 anos no Brasil e atingir 2900 membros, o partido teve que ser flexível em alguns pontos da ideologia. Mas mesmo essa flexibilidade não foi totalmente suficiente, já que ocorreu também grande resistência, como protestos contra alemães, mesmo discriminações aos que nem estavam envolvidos com o nazismo. 

Outros fatores dificultaram a adoção do nazismo alemão original aqui, como uma sociedade não-militarizada, a falta de um sentimento de humilhação do pós-guerra e a falta de legislação anti-semita. No Brasil muitos simpatizantes dessa ideologia viram oportunidades no integralismo, corrente ideológica que se aproximava do nazismo. 

Os povos indígenas, negros e mestiços, habitantes da América Latina, eram vistos como inferiores e por isso não deviam ser misturados com os arianos com o risco, segundo Hitler, de ocorrer um regresso intelectual e físico na espécie humana. Os esteriótipos dos brasileiros surgiram nesse contexto. Até a década de 30 a imagem do Brasil era de um país belo e gigante, com uma natureza exótica, mas com tipos humanos diferentes da "civilização européia". Com o crescimento das idéias nazistas, as dificuldades da sociedade brasileira passaram a ser relacionadas com elementos raciais. Eles descreviam nossa população com termos pejorativos mesmo, tais como "macacos". Mesmo intelectuais brasileiros, como Silvio Romero, defendiam um "branqueamento" da sociedade brasileira com a ajuda de imigrantes.

Por outro lado, houve grande resistência a essas idéias pela população brasileira, tanto por outros intelectuais quanto pela população comum, que regiam fazendo escárnio a este pensamento. Em anedotas, jornais brasileiros ridicularizavam Hitler, sua política racial e a "pureza" da raça ariana. Essa é a atitude que devíamos manter, acabar com a idéia de que tudo que é externo ao Brasil é automaticamente melhor. Essa concepção atrasa nosso desenvolvimento. Nem tudo que é aplicado em outros países irá atender às necessidades e características do nosso povo.  

Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/536/tese-da-area-da-educacao-revela-praticas-de-inspiracao-nazista-no-pais-antes-da-2a-guerra

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