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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Quando confundimos fé com conhecimento

Voltamos ao assunto da mistura de fé e religião com conhecimentos científicos(veja: Ciência não é religião), acho que é um sintoma de uma profunda doença que acomete as pessoas nos últimos anos. O caso a que me refiro é a já exaustivamente comentada na internet entrevista do pastor Silas Malafaia no programa da Marília Gabriela. No programa o pastor alega conhecimentos em psicologia e genética para afirmar que a homossexualidade é uma opção e não geneticamente determinada, vamos analisar essa entrevista.


Antes de tudo é interessante verificar a mudança da visão da sociedade sobre os homossexuais nos últimos vinte ou trinta anos. Tomemos como exemplo a AIDS, na década de 80 essa doença era ligada a homossexualidade, e essa associação pode ser traçada à descoberta da epidemiologia nos Estados Unidos. O primeiro caso da doença é de 1981, quando grupos de gays em Los Angeles e New York foram diagnosticados com pneumonia. A mídia divulgou a notícia com termos como: doença dos gays, câncer dos gays, ou praga dos gays e até mesmo pesquisadores a denominaram gay-related immune deficiency(GRID). Dado o impacto desproporcional que a doença aparentava ter sobre os gays - 61% dos casos foram traçados para relações sexuais desprotegidas entre homens - e a histórica discriminação para com os homossexuais era inevitável que a AIDS seria definida politica e culturalmente como uma "doença dos gays", mas perceba que a comunidade científica também utilizou tal definição.

Isso é algo que os defensores da "ciência" às vezes esquecem, o seu lado político, acho que comentei um pouco este aspecto quando comentei sobre o aquecimento global no texto Sobre mudança climática. A ciência não está em um domo acima dos homens preenchido de puro e sempre correto conhecimento. Ela é uma criação humana e está inserida em uma sociedade e influenciada pelo contexto político-social desta. Seriam incontáveis os momentos que o conhecimento científico refletiu os preconceitos de uma determinada época, como os experimentos racistas dos nazistas durante a segunda guerra. Eram cientistas aplicando "conhecimentos" científicos que existiram por anos naquela sociedade. Então, não há um conhecimento científico completamente imparcial, e para entender porque entendemos que algo é de certa forma hoje temos que entender o contexto social da nossa sociedade atual.



De volta à entrevista do Malafaia, espero que com essa introdução entendam que meu objetivo aqui não é categoricamente afirmar que o pastor está errado, nem muito menos provar isso, nem se quisesse teria o conhecimento suficiente para fazê-lo. Meu objetivo é analisar o fundamento que ele alega para fazer as afirmações que fez e o perigo que tais afirmações pode trazer para a sociedade. 

O estado atual da sociedade é a da discussão da inclusão das pessoas e grupos de pessoas historicamente excluídas de direitos e proteções. Esse processo, claramente, não é do momento, durante todo o século XX vimos as mulheres e os negros lutando por seus direitos. Essa discussão, como qualquer das outras que já ocorreram, criam extremos, pessoas que querem imediata mudança e os defensores da continuidade do estado atual. Mudanças, principalmente tão profundas no comportamento humano, não ocorrem pela imposição de uma lei ou simplesmente porque um grupo acha que deveria ocorrer, ela leva tempo e gerações para se tornar aceita no meio humano. Não que uma lei não é necessária e útil em algum sentido, mas não é simplesmente isso, é necessário uma educação para o respeito e reconhecimento do outro como um semelhante detentor dos mesmos direitos.

Na questão biológica do comportamento homossexual é complicado, como os primeiros parágrafos mostraram, defender alguma teoria. Minha visão de leigo é a que existem aquelas características que são determinadas diretamente pela genética e aquelas, principalmente relacionadas a comportamento, que são influenciadas pelos genes. Talvez não seja possível provar que um determinado gene cause diretamente a homossexualidade, mas todas as características humanas, assim acredito, são de alguma forma influenciadas pela sua genética. É óbvio que o ser humano é um animal social e a cultura é outro fator que também é determinante na formação de quem a pessoa é.

Todas essas ideias de "cura gay" caem em um absurdo. Mesmo se for algo geneticamente determinado, ou uma opção comportamental do indivíduo, por que achamos que ele precisa ser curado? A construção do que a pessoa é, seus gostos, preferências, é uma construção única de uma vida inteira. A sexualidade humana não está fora disso. Mesmo entre os heterossexuais as diferentes práticas e preferências podem também ser consideradas bizarras e anormais pelas outras pessoas. No entanto, constituem apenas diferenças individuais de cada um.

Numa discussão sobre o assunto meu amigo Leônidas Rocha disse assim:

"É muito difícil falar definitivo em qualquer campo científico, pois sabemos muito bem como funciona a dinâmica do paradigma. Pesquisas são acima de tudo tentativas de respostas, e se não temos mais perguntas que carecem respostas certamente estamos desinformados. Newton o maior do seu tempo, pesquisou e comprovou muita coisa que com o pesar e passar do tempo não respondia mais nossas perguntas. Não diminuindo seu papel na física, mas foi ciência de seu tempo, dentro daqueles limites e possibilidades possíveis. Se um dia vão descobrir o gene da homossexualidade não sei, pode ser que sim ou não. Na verdade sempre fui péssimo em biologia e minha professora me disse que eu iria me 'afundar na lama da vida'. Mas o fato é que fico feliz e considero-me privilegiado por poder assistir à pesquisas desbravadoras que vão além do que já se é dado para responder a enigmas de seu presente. Creio que todo aquele que ama a ciência como vida, e o conhecimento como amigo, deve se sentir da mesma forma."


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