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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Maioridade penal, vale a pena refletir

Todos os dias os chamados programas policiais – no rádio são os chamados Rádio Patrulha – inundam a televisão com notícias de crimes uns mais violentos que outros. Como um todo a programação das emissoras bem poderiam ser divididas em 16 horas dedicadas ao futebol e 14 horas à violência. A segunda paixão do brasileiro seria assassinatos. Baseados nessas informações a opinião pública clama constantemente por leis mais rígidas, como solução para impunidade e alta criminalidade. Em especial, defendem uma maior repressão quando o crime é praticado por adolescentes, ou “de menor” como eles costumam dizer. Mas são os jovens os verdadeiros responsáveis pela violência? E se forem, leis mais severas serão a melhor solução para o problema?
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A teoria da intervenção mínima, adotada por grande parte dos países, defende a aplicação do poder punitivo do Estado somente em último caso, quando todos os outros meios de controle social fracassarem. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 3) O braço punitivo do Estado é muito poderoso, ele tem o poder de retirar das pessoas seu direito mais caro, que é a liberdade. É de interesse de toda democracia que preze pelos direitos individuais que esse poder esteja restrito e controlado e não seja usado arbitrariamente. Desde já esclareço, que diferentemente da ideia do senso comum de que a liberdade de um termina quando a do outro começa, é impossível negar o direito de ser livre a uma pessoa e esperar que tal ação não afete a sua própria liberdade. Elas existem em conjunto, uma dependendo da outra e não em bolhas distintas de existência.
No entanto, o que temos notado no mundo inteiro é um recrudescimento das normas penais, o que tem levado ao aumento da população carcerária. No Brasil o aumento foi de cerca de 70% (SANKIEVICZ: 2007, pág. 3), sendo considerado o quarto país com o maior número de encarcerados do mundo, aproximadamente 500 mil, atrás apenas dos EUA (2.2 milhões de presos), China (1.6 milhão) e Rússia (740 mil). (KAWAGUTI: 2012, s/p) Não obstante esses números, é sempre presente a sensação de impunidade e constante crescente violência. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 3) Mas e em se tratando de adolescentes, qual a participação deles nesses dados exorbitantes?
Segundo dados do estudo da Unesco, “Mapa da Violência IV: os jovens do brasil”, citados por Sankievicz, antes de 1980 as principais causas de morte entre adolescentes eram epidemias e doenças infecciosas. Em 1980, homicídios e acidentes de trânsito passaram a representar 52,9% das mortes nesse grupo e em 2002 72% dos jovens morreram devido a “causas externas”, principalmente homicídio. (2007, pág. 4)
Se tomarmos como jovens somente a faixa etária entre os 15 e 24 anos e como não-jovens todas as demais faixas, temos o seguinte cenário: dentre os não-jovens somente 9,8% das mortes são por causas externas, sendo que o homicídio é a causa da morte em 3,3% desses casos; já dentre os jovens, causas externas representam 72% das mortes e o homicídio é 39,9% dessas causas. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 4)
Na população brasileira em geral, do ano de 1993 ao ano de 2002 os homicídios passaram de 30586 para 49640, elevação de 62,3%, maior que o aumento da população no período, que foi de 15,2%. Vale lembrar que a Lei de Crimes Hediondos foi aprovada em 1990 com a promessa de ser a solução para a alta violência. Na população jovem o aumento dos homicídios foi maior ainda, sendo de 88,6%. Em se tratando de jovens negros o índice de assassinatos é de 68,4 a cada 100000, 74% maior que entre brancos (39,3 a cada 100000). Se por um lado, o número de homicídios entre os jovens saiu de 30,0 a cada 100000 em 1980 para 54,5 a cada 100000 em 2002, o índice para o restante da população pouco variou, saindo de 21,3 para 21,7 a cada 100000. As maiores vítimas são homens (93%) e negros. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 4-5)
Acrescentando a esses índices de violência temos o dado de que o a taxa de desemprego entre os jovens chega a 45,5%, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos. Mesmo assim o Estatuto da Criança e do Adolescente só é colocado em discussão quando um jovem se envolve em um crime, para mostrar como este protege o infrator e é a causa da insegurança. Uma lei que deveria funcionar como proteção para essas pessoas, não é lembrada quando seus mais fundamentais direitos são violados, como acesso a educação e a um serviço de saúde, protegê-las da violência e do abandono e garantir-lhes oportunidades profissionais. (ALVES: 2007, s/p) Não é de se espantar que alguns aderem à violência.
Como vemos os jovens são muito mais vítimas de homicídio do que causa. Mas não é isso que a mídia apresenta. Como o resultado da pesquisa dos professores Ronaldo César Henn e Carmen de Oliveira, realizada em 2001, mostrou, nos quatro meses iniciais do ano da pesquisa verificou-se que a cada adolescente homicida existiam cinco que eram vítimas. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 5)
Contudo o cenário noticiado pelos jornais é completamente inverso. Eles não só negligenciam completamente a alta vitimização dos jovens, abordam também de forma desproporcional, concedendo mais atenção quando a vítima é branca e de classe média. Os noticiários também não chegam ao cerne das causas da violência, dando uma cobertura superficial e sensacionalista. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 6)
Embora o número de negros seja muito mais comum, esses casos aparecem com menos freqüência na mídia. Brancos assassinados merecem mais atenção e assim como homicídios de pessoas de classe média, ricas. Os assassinatos de mulheres e crianças sempre são tratados com muito mais destaque que o de homens adultos… Os homicídios, tipo de crime mais noticiado em todo mundo, são eventos exepcionais [sic] se comparados com as demais condutas tipificadas na legislação. Os perfis das vítimas também aparecem de forma socialmente distorcida. (ROLIM Apud SANKIEVICZ: 2007, pág. 6)
O infrator é chamado de "menor", a vítima de "criança".
O infrator é chamado de “menor”, a vítima de “criança”.
Essa abordagem teatral do tema leva as pessoas exigirem maior repressão. E esse protesto desvincula-se da realidade, que é justamente o fato dos adolescentes não representarem tanto uma ameaça quanto representarem as maiores vítimas da violência. Há também uma transferência de responsabilidades. Problema que deveria ser solucionado no âmbito familiar, escolar, comunitário, é transferido para a força repressiva do Estado que conhece uma única solução, a punição. Essa punição não se mostra efetiva nem quando se trata de adultos, agora queremos aplicá-la também aos jovens. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 6-7)
Para defensores da redução da maioridade penal, como Sankievicz cita o professor Sandro César, o baixo índice de criminalidade entre os adolescentes não é razão para não se reduzir a maioridade. Um crime, por menor que seja sua prática na sociedade, é um crime e deveria ser punido como qualquer outro. Se considerarmos que nos últimos três meses de 2006 em São Paulo foram cometidos 1500 assassinatos. Se somente 3% deles foram praticados por adolescentes – número que está dentro das estimativas dos defensores da manutenção da maioridade penal – serão 45 assassinatos cometidos por jovens, um número já bem considerável, argumenta o professor. (2007, pág. 7)
Analisemos, portanto, alguns dos argumentos dos defensores da redução da maioridade penal e os respectivos contra-argumentos dos que advocam a manutenção dos 18 anos:
1) O avanço tecnológico proporcionou um maior acesso a informações, de maneira que hoje os adolescentes adquirem mais informações e, portanto, amadurecem mais rápido. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 8) No entanto, o maior acesso a informações não descaracteriza a fase vivenciada pelo jovem como de aprendizado e transição para a idade adulta, uma idade que merece oportunidades e proteções. (Ibidem, pág. 9)
2) O Direito atualmente já reconhece ao jovem a capacidade de votar quando atinge os dezesseis anos e a liberdade sexual quando completa quatorze anos, portanto, ele já poderia ser considerado responsável por seus atos antes dos 18 anos. (Ibidem, pág. 8) Como resposta poder-se-ia dizer que a possibilidade de voto aos dezesseis é facultativa e a redução da maioridade penal seria obrigatória. E mais, o direito não estabelece uma idade única e absoluta para o reconhecimento dos direitos políticos. Apesar do adolescente poder ser um eleitor, ele só poderá candidatar-se a vereador aos 18 anos, a deputado ou prefeito com 21, a governador com 30 e a presidente com 35. No Brasil adquire-se os direitos políticos gradativamente. (Ibidem, pág. 9)
3) A idade de 18 anos é arbitrária e não tem nenhum motivo a não ser a decisão política da comunidade, já que outros países adotam idades e critérios diversos para definir a punibilidade criminal. (Ibidem, pág. 8) À guisa de curiosidade, a maioridade penal na Inglaterra é dez anos, na Escócia é doze, na França é treze, na Itália e na Alemanha é catorze e na Dinamarca é quinze. (FOLHA DE SÃO PAULO: 2011, s/p) No entanto, tais países apresentam melhores qualidades de vida e maiores oportunidades. Neles o jovem conhece uma família estruturada e recebe uma boa educação antes de praticarem um crime. Quando o fazem, fazem-no por opção e não por necessidade ou falta de discernimento. Além disso, a diferença deve-se ao diverso processo de desenvolvimento histórico e cultural pelo qual esses países passaram. A escolha brasileira foi pela idade dos 18 anos e não foi de maneira arbitrária somente, deve-se à cultura e aos valores da nossa sociedade. (SANKIEVICZ: 2007, pág. 9)
4) A opinião pública é esmagadoramente a favor da redução da maioridade penal. O sentimento de impunidade pode levar a uma série de atos vingativos, fazendo o Estado perder o controle da sociedade. (Ibidem, pág. 8) Ceder à pressão popular em uma questão dessas, que é impregnada de emoções fortes que turvam o raciocínio, seria uma imprudência. A lei deve atender aos anseios da sociedade, mas também deve discipliná-la e transformá-la em uma comunidade mais justa.
Há pelo menos um precedente que pode ser usado para inferir que a redução da maioridade penal não surtirá os efeitos desejados. A Lei 8072/1990, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, editada com a promessa de diminuir a violência, drasticamente não atingiu este objetivo. Entre os anos de 1994 e 1998, os crimes de homicídio doloso cresceram 31,72% e entre 1993 e 1998, o tráfico de drogas cresceu 101,71%. A lei foi útil mesmo para aumentar o déficit de vagas nos presídios, sendo essa a principal de causa de rebeliões de presos. Sim, nem sempre eles estão errados quando rebelam-se, ou pelo menos sua reação é justificada. (Ibidem, pág. 10-11)
É importante nesse período eleitoral ter acesso a essas informações. Existe atualmente tramitando no Congresso vários projetos de alteração constitucional que visam reduzir a maioridade e será certamente abordado nas eleições. O Direito Penal não pode ser usado como primeira solução para os problemas sociais, deve agir somente quando todas as outras tentativas fracassarem. E se nossos sistema político já deseja entregar jovens de 16 ou ainda 14 anos à força punitiva do Estado, bem, nós já fracassamos como uma sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVES, Ariel de Castro. (2007) Redução da idade penal e criminalidade do Brasil. Disponível em:http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=271. Acessado em: 29/10/2013.
FOLHA DE SÃO PAULO. (2011) Maioridade penal no Brasil e em países ao redor do mundo. Disponível em:http://direito.folha.uol.com.br/1/post/2011/07/maioridade-penal-no-brasil-e-em-pases-ao-redor-do-mundo.html. Acessado em: 29/10/2013.
G1. Menor atropela e mata criança de 4 anos em Goiânia, diz polícia. In: G1, Goiânia, s/p, 26 de dezembro de 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/goias/transito/noticia/2012/12/menor-atropela-e-mata-crianca-de-4-anos-em-goiania-diz-policia.html. Acessado em: 30/10/2013.
KAWAGUTI, Luis. Brasil tem 4ª maior população carcerária do mundo e deficit de 200 mil vagas. In: BBC Brasil, São Paulo, s/p, 29 de maio de 2012. Disponível em:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120529_presos_onu_lk.shtml. Acessado em: 29/10/2013.
SANKIEVICZ, Alexandre. Breve análise sobre a redução da maioridade penal como alternativa para a diminuição da violência infantil. Brasília: Consultoria Legislativa, 2007. Disponível em:http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1201/breve_analise_sankievicz.pdf?sequence=1. Acessado em: 29/10/2013.

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